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A Lua, o bilhete e o cachorro
24 de outubro de 2013

Terça-feira, fim de tarde. Após um dia quase inteiro cinza e de trabalho, Curitiba deu uma espécie de trégua. O luar estava lindo e a temperatura amena. Não consegui ir pra casa. Mesmo sem companhia, resolvi matar a fome num bar em Santa Felicidade. Vista pra lua e a céu aberto, comi uma porção de frango a passarinho com um cachorro de rua que passava por ali. Vagarosamente saboreei cada pedaço enquanto meu colega vira-lata esperava pacientemente sua parte.

Enquanto olhava o céu tomando minha proibida coca zero, fui paparicada pelos garçons sempre que podia. Na verdade, sinto que às vezes minha alegria me ilumina tanto a ponto de outros quererem chegar perto pra sentir aquilo que me fez assim.

 Devagar bebia, devagar comia, ora olhava o céu, ora olhava meu companheiro de um jantarzinho não planejado. Paz que reinava em sua simplicidade. Um momento a sós. Um momento comigo mesma. Sozinha e feliz. E pensei: como é bom ser feliz sozinha. Não o estar sozinha, mas o estar feliz independente de alguém. Assim todo o resto é complemento, um extra no que já está perfeito.

Muito sem graça o garçom vem até mim, já se desculpando e dizendo que trazia um recado. Ri e senti um pouco de pena por seu embaraço. Então ele disse: a moça sentada lá dentro no balcão me pediu para dizer que achou você muito bonita. Eu perguntei: moça? Ele se desculpou novamente e afirmou que sim, se desculpando mais uma vez. Eu achei graça. Tantos homens que olham discretamente, mas não têm a coragem da tal moça.

Continuei apreciando meu céu, todo ali, sorrindo pra mim. O cachorro já devia estar de barriga cheia, mas continuava ali comigo. Mais tarde peço a conta e o garçom volta com um papel muito pequeno em suas mãos. Eu pergunto achando estranho: é a conta? Ele se desculpa mais uma vez, não sabendo como explicar o que tinha nas mãos. Desculpou-se e me entregou um bilhete. Vanessa era ousada. Mandou seu telefone e nome num papel. Eu ri. Olhei para trás já curiosa pela autora do bilhete. Uma moça jovem e morena me olhava de dentro do bar com desejo.

O garçom volta com a conta de verdade e eu finalmente vou embora. Acho que o cãozinho e a Vanessa não gostaram. Mas fui embora feliz da vida, à toa, pensando no dia gostoso e produtivo que havia tido no trabalho, no quão bom era sentir a brisa de uma noite morna, o quão bom era saciar a fome do corpo, ao mesmo tempo saciando a alma num momento comigo mesma, em silencio e em harmonia com a vida.

Dirigi cantando em meu desafinado tom a música Velha Infância, dos Tribalistas. Cantava a música em voz alta, sentindo seu significado profundamente. Primeiro pensei em como é bom gostar de alguém. Em seguida, pensei no quão melhor é gostar de si mesmo. O gostar que me permite ser feliz em qualquer lugar, com qualquer pessoa, em qualquer momento. Felicidade que me permite um riso e um sorriso todos os dias, na verdade vários. Felicidade que divido com os que me cercam e que retorna a mim diariamente. Em sorriso, gentileza, confiança e amizade. Até na companhia de um cão ao luar, no prazer de matar a fome de um entre os milhares que lamento estarem à mingua nas ruas. Ou então, na gentileza de um garçom constrangido, durante o luar que me sorriu a noite toda.

Senti que o dia chegara ao fim. Nada demais havia acontecido. Dormi bem na noite anterior, trabalhei muito como de costume e voltei pra casa para o merecido descanso. Mas sentia uma alegria extra, que não tinha nada a ver com o cãozinho, com o bilhete ou o frango a passarinho. Mas com a singela arte de ser feliz no ato de ser, sentir, viver. No não se pensar mais em nada, mas sentir a vida em suas sutilezas, no que se atrai com o jeito de viver, de encarar a vida e os fatos.

É, Vanessa foi audaciosa em mandar um bilhete. Ela tentou o que muitos não têm coragem. Alimentando meu ego vaidoso e feminino. Eu alimentei o cachorro e a noite alimentou a minha alma, com as sutilezas da vida. Mas bom mesmo é ser feliz sozinha, amando a mim mesma e recebendo o resto, todos e tudo o mais como consequência de um amor sincero e pra vida toda. O amor por mim e pela vida!

CAROLINA VILA NOVA

ESCRITORA E ROTEIRISTA, de Curitiba.

Contato: focuslife@playtac.com

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