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A manga
23 de setembro de 2013

 

"Botas...as botas apertadas são uma das maiores venturas da terra, porque, fazendo doer os pés, dão  prazer de as descalçar."

Machado de Assis

 

Viagens são deveras engraçadas e cheias de aventuras, mas quem diria que uma fruta poderia causar tanto transtorno? Tudo começa com o fim de um contrato de trabalho. Marquei o retorno para a casa de seus pais no sul do país, pois residia em Rondônia há dois anos prestando serviços numa universidade da região.

Após dois anos de um feliz relacionamento – acabei adoecendo, pois a saudade da família e o trabalho extenuante acentuaram minha fragilidade. E sem um entendimento com o “impraticável e mal trajado” coordenador - decidi então encerrar a aventura por terras cheias de calor e gente afetuosa.

Mas, não posso deixar de mencionar que ao chegar naquela cidade tão repleta de calor precisei recompor meus pertences e preenchi o meu minúsculo apartamento com malas e malas cheias de roupas e sapatos – uma paixão particular. Mas o que foi sendo levado e comprado aos poucos na hora do retorno – oh meu deus – torna-se um fardo.

Aduzido a isso os livros e mais livros dos quais eu não deixaria para trás. Mas o peso era uma coisa obcena. E a companhia aérea desconhece essas paixões livrescas e restringe o peso nos voos nacionais em 31 quilos. E no final das contas eu tinha 9 caixas repletas de “coisinhas” importantes.

O dilema está estabelecido. Como trazer tudo? Como deixar para traz pertences tão especiais? E como deixá-los ao encargo dos amigos que até então já haviam ajudado muito? A solução encontrada foi marcar a passagem de ônibus para que todas as encomendas estivessem em segurança com a proprietária. Sem esquecer os inúmeros presentes para Raphaella.

Quando parti sabia que seria uma aventura. Sai da casa da minha mãe com pouco mais de cem reais no bolso e muitas promessas. Trabalhei de modo árduo. Fiz muitos amigos alguns desafetos. Participei de muitas festas e juntei muita gente na minha casa nos finais de semana para comer bolo de laranja. Fubá. Chocolate e de afeto...

Quantas saudades de casa. E quantos desafios por vencer em busca de uma vida cheia de inspiração. E o dia da volta chegou. O empenho da Cris e do “nosso” marido o Dr. Zílio será sempre lembrado. As meninas que hoje já são mães Larissa e Letícia. Eu queria as minhas panelas. Minhas blusas e minha vida empacotada e eles ajudaram em tudo. Inclusive no afeto.

Um dia poderei escrever sobre isso. Mas os fatos do retorno por si geram muito demanda para escrever. Pois teria que pegar o ônibus da Eucatur às 21horas. E óbvio que o ônibus atrasou. Por certo que estava chovendo e lógico que meus amigos precisaram fazer mais de uma viagem para trazer todos os badulaques.

Depois de muitas lágrimas de despedida e de saudades empacotadas - o embarque para três dias de viagem... afinal 3.100 km. Mas a surpresa viria mesmo na paragem de Mato Grosso numa das mil rodoviárias sucateadas pelo tempo e pelo esquecimento governamental. Uma senhorinha de brancos cabelos ocupou a poltrona lateral a minha.

Gentil me perguntou se podia sentar. Por certo disse que era bem vinda. Poucos metros adiante ela me pergunta se eu me incomodaria se ela comesse. Por certo disse para que ficasse livre, pois assim como eu precisava que o tempo passasse. De toda sorte eu não esperava que ela sacasse da bolsa o indigitado frango encapotado.

Madona minha. A gentil senhora comeu aquela coisa indescritível chupando cada ossinho existente. E a cada suspiro o meu desespero aumentava. Ela ainda oferecia a iguaria. E o meu pobre estômago já havia pulado pela janela. Sem esquecer que nesse tipo de ônibus a janela não abre. E o ar congelante exige um imenso esforço para dormir.

Depois de um tempo interminável. Ela encerra a sua empreitada galinácea. Calmamente se vira para mim e diz: A moça se incomoda que eu coma uma sobremesinha?. Eu prontamente - com um certo desespero interno - disse que não. Que ela podia ficar livre para comer seu docinho. Mas a surpresa é quase inenarrável...

A gentil senhora saca da bolsa uma imensa manga rosa que nasce aos montes naquela região. E privada de seus dentes frontais ataca a fruta de modo próximo ao grotesco e fica nessa diversão assustadora por mais de trinta minutos. Eu sem nenhuma alternativa enfiei o rosto no cobertor e sonhava em descer em qualquer ponto do Mato Grosso.

Pela virgem de Nazaré. Eu fiquei anos sem poder ver manga e pensar naquela senhorinha de brancos cabelos e fome interminável. Lembrava piamente dos grunhidos emitidos. E da alegria quase infantil ao deixar aquela imensa manga sem nenhum fiapo. Logo eu que adorava manga vislumbrava a cena e pensava ai nunca mais senhor!!! Nunca mais!!!

Por mais pueril que fosse da minha parte pensava naquelas mãos calejadas mais cheias de gordura e doce passando no banco. Emporcalhando o braço do banco que nos separava. Enfim, posso ser chamada de enjoadinha, mas o perfume do frango. Logo substituído pela manga num ambiente fechado são inesquecíveis até hoje.

Quando paramos em São Paulo a senhorinha desceu e se despediu. Eu agradeci aos céus. Pois já bastava de experiências gastronômicas na viagem deveras enfadonha. Mas como subestimamos o destino. Quando no reembarque adentraram ao ônibus um casal com quatro meninos. E para acomodá-los somente duas poltronas. Mas isso já é outra história...

Taís Martins

Escritora, MsC, e professora.

Contato:  taisprof@hotmail.com

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LITERATURA e POESIA
Os caminhos da imaginação pela Escrita

Deixe seu comentário:

  • Jose Carlos Divino

    Fiquei rindo de sua aventura , bela narrativa , ia te perguntar qual era a cidade que estava , mais pela dedução só poderia ser Porto Velho , e ai aprecia uma manguinha ainda , ficamos no aguardo da segunda parte de sua narrativa , são momentos como esses que jamais esquecemos e nos fazem rir quando lembramos . Vamos a segunda parte esta faltando ....... quando sai ,....... abraço bj

  • Edir Mickael de Lima

    O texto é um relato de vitória. Na vida fazemos escolhas, algumas mudanças são inevitáveis.... Sempre evoluímos... Muitas vezes o erro é o que nos fortalece... Contudo, quero registrar que somos o reflexo de um conjunto de escolhas.... Obrigado por ter me escolhido como amigo... By Mickael - "O FODÃO".....