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A presunção do fracasso
02 de julho de 2014

        

"...É uma infelicidade da época, que os doidos guiem os cegos."

William Shakespeare.

 

O Brasil é um país de grandes contradições. Dias passados uma atriz de grande renome nacional fora fotografada num coletivo. Distúrbio de opiniões e posicionamentos. Os julgadores plantonistas travaram o debate nas redes sociais sobre o sucesso e o insucesso da referida atriz. Afinal ao que pareceu - andar sem um carro próprio aponta o fracasso pessoal.

Há pessoas que sofrem de um câncer na superfície do caráter. Imaginam que suas vidas servem de exemplo. Quando na verdade suas verborragias não ajudam a desenvolver seus amigos e tampouco são motrizes de difusão comportamental. Seguem para as igrejas e palanques sociais, mas recusam o respeito aos problemas alheios.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos assegurou a igualdade entre todos os indivíduos. Independentemente do grupo social que esse indivíduo pertence, mas a imparcialidade e o tratamento digno demandam educação. Leis não impingem sabedoria. Sua função é assegurar o equilíbrio e a ordem. Respeito não deveria depender de sanções.

A miséria humana prolifera em ambientes luxuosos e também naqueles carentes de pecúnia. A moral por sua vez não se finca nesse terreno. O valor das pessoas não deveria ser correlacionado com o carro que se dirige, a bebida que ingere ou as viagens que fez. Afinal o que verdadeiramente nos individualiza no mundo deveria ser coração e os conhecimentos.

A sociedade monetarizada nos impulsiona a comprar o que não precisamos. Consumimos o prazer alheio. A roupa escolhida pelas revistas de moda, o cabelo copiado dos desfiles e semanas de moda, o batom na cor difundida pelas grandes redes de cosméticos. Amealhamos muitos desejos e bens. Tudo isso em equilíbrio agrada aos olhos, aos amigos e o ego.

Noutro vértice é crescente o endividamento no cartão de crédito. Os descontos na folha de pagamento consomem os recebíveis presentes e futuros e geram novos empréstimos e imensas dívidas. A felicidade momentânea da aquisição cede espaço para uma desarmonia financeira e emocional que culmina em doenças, divórcios e abandonos irrecuperáveis.

Oscar Wilde nos ensinava que: “o cinismo consiste em ver as coisas como são, e não como deveriam ser”. A paz é vendida através das parcelas do cartão de crédito. A angústia pelo carro novo suplanta o conforto da casa no bairro, pois a exibição de um novo bem suplanta a alegria do conforto das coisas singelas, porém afáveis.

Algumas pessoas deveriam vestir somente as etiquetas. Afinal o importante está no preço e não no valor que no meu entendimento são situações absolutamente distintas. Creio que a etiqueta visível traria Gucci, Givenchy, Channel e nas instruções de manutenção o destaque para: não confie, não empreste, não se aproxime. Falta crônica de caráter e vergonha.

Sem a hipocrisia costumeira das línguas ignóbeis. O meu pensamento não culmina com poder econômico e nem tampouco quero pontuar que as pessoas que usam marcas conhecidas são desprovidas de moral e honra. Destarte na favela também há marcas preferidas. Inclusive uma delas cedeu um depoimento lamentando o uso de suas marcas por pessoas de baixa renda.

O debate sobre os motivos que levaram a ex-atriz global a pegar o coletivo naquela manhã. Pode trazer a baila inúmeros vértices. Dificuldades financeiras num país de personalidades relâmpago. As escolhas políticas que a mesma fizera nos anos 90. Suas preferências sexuais. O diagnóstico de AIDS divulgado amplamente. Eu concluo que ela só queria se locomover...

Não estamos inseridos nos capítulos das telenovelas – mas a atriz do coletivo – vive o nosso papel. Afinal imagino que se sair agora da minha residência para me deslocar para o cinema, shopping ou para o médico. Imagino o que devem pensar os meus vizinhos. O temor do encontro com um amigo que nos conhece afinal andar de carro deve ser sinônimo sucesso...

As pessoas gritam o seu sucesso, mas em grande porcentagem desconhecem a felicidade. Mentir ou omitir o que somos não garante que sejamos amados pelos nossos companheiros de jornada. Somos o rascunho de muitas histórias. Porém a fidelidade aos papéis é fulcral. As aparências são fragmentárias e as nossas verdades nem sempre absolutas.

Só reconhece o sucesso quem tangenciou perspectivas de fracasso. A vida não é retilínea. Em seus ciclos é possível usufruir de tranquilidade ou de angústias insolúveis. No esteio das estações do ano há morte e renascimentos das plantas, dos animas e dos desejos pessoais de cada um. Um dia enamorados da vida desejamos casar com a felicidade.

Noutros tempos divorciados das fantasias criticamos o mundo. Buscando ensinar o que ainda não aprendemos. A simplicidade não traduz nenhum fracasso. Da mesma forma que muita ostentação pode revestir vazios enormes. Viver no país das aparências requer um caráter preparado para desafios inúteis e futilmente emergenciais.

Num país organizado andar de transporte público não apequena as pessoas. A proteção ambiental agradece a medida. A poluição crescente vai consumir os recursos naturais e a conta desse desgaste será grande para toda a sociedade. Por outro vértice a mídia está centrada nas fofocas e nos danos causados àqueles que não podem oferecer grandes espetáculos.

Prova disso é o uso desmensurado das tragédias humanas nos jornais. É uma “novela” da vida real que rende audiência e marketing sem precisar pagar pelos roteiros e cenários. A cultura da futilidade se prolifera na busca pela vida alheia e não pela verdade alheia. O tempo dos contrastes premia as “celebridades” da internet.

Cínicos são os tempos repugnantes das aparências, desprezos e um crescente preconceito. O engano circunda olhos e ouvidos. É urgente e necessária uma retomada dos valores para que a doença social seja tratada de modo coletivo. A responsabilidade deve ser compartilhada pela escola, meios de comunicação e pelos pais que esquecem seus filhos nos pontos dos coletivos.

Taís Martins

Escritora, MsC, e professora.

Contatos: 

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