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Amizades sem futuro
17 de fevereiro de 2014

"Quando se respeita alguém não queremos forçar a sua alma sem o seu consentimento. "

Simone de Beauvoir

 

O valor de um amigo não pode ser dimensionado. Nas horas múltiplas da vida entre brindes e choros incontidos precisamos de um apoio. As palavras de uma alma distante da nossa, mas que compreende as nossas estafas mentais e emocionais e através de seu carinho nos promova um conforto repousado na amabilidade.

Todos os dias, há um alguém ofertando amizade. O fato é que num dado momento da nossa vida em meio as perdas e aquisições duvidosas eu não estou disposta a procurar ninguém  - estou desgastada e indisposta para debates. Os meus laços afetivos estão demasiadamente exaustos.

Almas vazias e angustiadas que ofertam carinho ou consolo, mas que no fundo precisam disso muito mais do que nós. Nesse momento de amadurecimento não tenho a mesma paciência para lamentos infundados. Picuinhas sem sentido. Estou farta de conselhos tolos e de conversas vazias.

O espírito antes sanguíneo vai atenuando. O choro de tristeza e as gostosas risadas cedem espaço para vazios. Sentada na varanda de casa consigo ainda ver as sombras das festas animadas e das companhias sempre agradáveis. Com seus risos simpáticos e assuntos plenos de um sucesso nem sempre existente. Há uma competição sobre a felicidade não partilhada.

O curso da vida sem um esteio verdadeiro. Sombras que sem pudores procuram o nosso sucesso, a nossa angústia e as nossas conquistas. E sem pestanejar um mísero segundo apreciam as nossas fragilidades entre um e outro café.  Comentando a nossa história como um livro comum em estantes sem par. O apoderamento daquilo que não sabem viver.

A vida permitiu muitas andanças. É certo que possuo muitas fotografias meticulosamente guardadas. Mas é quase nítido que não desejo e não reconhecerei rostos amigos em todas elas. Numa ou noutra será possível detectar sorrisinhos sarcásticos. Olhares pouco amistosos e um caráter ímpio escondido em largas risadas plenas de fotogenia...

Com o tempo dimimui a frequência das festas. Sentia o exaurimento do prazer em partilhar de conversas comezinhas e vidas vazias e gotejadas de uma purpurina colorida como falso brilhante. Nem sempre onde há brilho há beleza. E nos corpos lindamente vestidos havia almas nuas de verdade. O prazer do baile cedeu lugar aos auspícios da preguiça de conviver.

Não há na minha – pouco – sutil análise uma amargura. Mas sim um momento de cansaço, de recolocação. Preciso suspirar além da colina para observar se no ápice em que minha alma chegou ainda sou capaz de vislumbrar o melhor sol. Uma coisa singela que esquecemos com o passar dos dias. Procurar o melhor e não ficar acomodado no que é mesquinho.

Minha alma não é melhor e nem inferior às outras. Assumo meus melhores equívocos com prazer, mas o meu amor é dedicado e tão logo exigente. Nada do que oferto é diminuto e não recebo bem partículas ínfimas de dedicação. Meu afeto não se vincula as estações ou as conveniências e quando ouço alguém partilho de sua alma e não de suas vantagens...

A vida sentimental é também exigente. Conjugar palavras em nossa vida demanda afeto, responsabilidade e paciência. Com o trâmite do tempo quiçá um pouco de confiança, afinal corações magoados necessitam de recomposição. O coração é o senhor das dores e não o tempo. Uma dor atroz é um oceano de dúvidas e pensamentos reclusos.

Passei alguns anos da vida – preciosos – encastelada nos sonhos afáveis de mesas fartas e risos largos. Partilhando com meus amigos de sangue e de coração uma vida profícua de sentimentos. Aniversários, casamentos, feriados e dias comuns. Quando os pequenos fizeram seu primeiro aninho e as nossas meninas chegaram aos 15 anos.

Dezenas de formaturas. Vestidos, ternos e sapatos escolhidos para um abraço especial. Flores nas mãos e o coração disposto aos risos e para os carinhos transcritos nas fotos. Um dia, porém tudo parece esmaecido e sem sentido. Os brindes cedem o espaço para o silêncio e descobrimos que nossos presentes não foram assim tão bem recebidos.

As conversas diárias são agora rarefeitas. Telefonemas e encontros ficam alheios das possibilidades. Cada um segue seu caminho e as críticas sobre os comportamentos são cada vez mais contundentes. A escolha do carro. A viagem de férias. Os livros publicados ou lidos são motivo de chacota e um envenenamento perverso entre as novas conexões.

Somos o encontro e desencontro de emoções. Um dia muito felizes com nossos amigos “quase” íntimos. Noutros momentos lamentando o fato de termos um dia nos encontrado. A vida é mesmo curiosa. Sua magnitude está em nos surpreender e nos ensinar com as cores e os sabores dos seus desafios. A alma humana é sempre um caleidoscópio.

Porém é importante deixar um fio de luz. Para que nossa escuridão não nos sufoque e para que nossas esperanças ainda sobrevivam. Somos um construído entre a vida e a morte e sem a morte haveria caos. Não há decepções eternas e tampouco alegrias intermináveis. Como no ensinou Saramago no seu livro Intermitências da Morte.

Deparou-se, então, a morte com um músico violoncelista de cinquenta anos “[...] um idiota inocente que continua a viver sem que lhe passe pela cabeça que já deveria estar morto [...]”, Assim como Erasmo de Rotterdam (1466 – 1536), em seu “Elogio à Loucura”, publicado no longínquo ano de 1509 quando nos falava da suspensão da razão como necessidade.

Os autores nos permitem vislumbrar o valor agregado ao estágio de suspensão momentânea de razão, sem o qual não suportaríamos muito do que nos rodeia. Diante desses mestres a minha singela forma de pensar se perfaz no seguinte: É preciso limpar o armário. Doar as roupas velhas. Renovar as emoções e abandonar as amizades sem futuro.  

Taís Martins

Escritora, MsC, e professora.

Contato:  taisprof@hotmail.com

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