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Caçarolas e Pessegos
06 de agosto de 2013

"Quem de dentro de si não sai, vai morrer sem amar ninguém"

Vinícius de Moraes.

 

Podia ser a história de uma fazenda. Onde a cozinha exala perfume de pão quentinho e manteiga. Ou quem sabe uma deliciosa compota de pêssego – aquelas com gosto de infância quando o sabor passa pelos lábios e atinge de imediato o coração. Mas essa lembrança fala de um adulto que fala e sonha como criança...

A paixão em corações maduros. Pode acontecer algumas vezes na vida. E mesmo sem compreender o que nos move. Nosso coração novamente se torna festivo diante das tolices do dia. Os pequenos detalhes. As surpresas no fim de tarde. Essas bobagens tão corriqueiras e capazes de inebriar nossas almas cheias de compromissos e responsabilidades.

Eu beijei um homem, mas descobri no seu abraço um menino. Fantasiosamente falamos sobre a vida que desejamos e que não encontramos em nossos relacionamentos. Discutimos as musicas da “old school” afinal não se chega aos quarenta anos impunemente. A cronologia modifica nossas faces, mas não apaga nossas preferências pueris.

Nos momentos partilhados, fizemos coisas inusitadas. Sorvete na pracinha. Andamos de mãos dadas. E entre os mil cappuccinos sorvidos. Conhecemos o toque dos sonhos. Aquilo que se materializa na voz, no olhar, nos beijos e nas confissões. Saborosamente trocamos beijos e escritas sobre o papel que desejamos representar doravante.

As risadas que surgiram em nossos lábios eram já escassas. Afinal quem traz histórias tristes de relacionamentos findos. Sempre tem um rastro de medo no coração. Uma esperança sufocada pelas intempéries do que o tempo esfacelou entre nossos dedos. Temor é coisa natural, mas o prazer do encontro pode superar muitos traumas.

As fotos tiradas são dignas de um álbum juvenil. Beijos na rua. No carro e no elevador. Quanta delicia existe na infantilidade. Afinal como esquecer que foi a primeira vez que andei na garupa de uma moto guiada por um jovem mancebo. Sua cara e sua gargalhada de descrença ainda ecoam nos meus ouvidos. Mas sempre fui dona do meu nariz. Conduzindo minha vida.

Quanto graciosos os seus gestos comigo. Dividido entre o trabalho e os afetos. Esmerado em cuidar de mim. Não estou acostumada com essas mesuras. Afinal o cavalheirismo já esquecido no seio social - no meu caso recebe um agravante. Sou uma mulher que caminha sozinha pela vida e pelo mundo e no imaginário coletivo sou “una donna solla”.

Os sentimentos envoltos e sem papel de presente. Estávamos sem armas e fora do campo de batalha. Não procuramos saber quem sofreu mais ou quem estava mais disposto a arriscar. E tão acomodada eu estava no teu peito que dormi enquanto assistíamos um de seus filmes favoritos. Indelicadeza pura. Ou simples cansaço pela intensidade dos dias.

De toda sempre será motivo de piada quando o “senhor insone” foi derrotado por Morfeu e caiu no meu colo. Exausto e balbuciando suas palavras sonolentas. Provocou um riso incontido e inexplicável ao dizer que ainda devia buscar as caçarolas e os pêssegos. Sabido é que a sua mudança de lar era recente, mas o que faria contigo com esses instrumentos?

A cozinha não é sua especialidade e ainda assim fazer um doce na forma tradicional levaria muito mais do que a madrugada que adentramos rindo da sua frase desconectada da realidade. E nossos olhos cheios de lágrimas pelo riso. Traziam uma promessa velada para não esquecer nunca dessa cena que marcou o nosso dia especialmente inesquecível.

Quanto há de infinito no que desejamos e como é efêmera cada emoção. Seria perfeito se pudéssemos eternizar os que nos faz feliz e deixar o passado em seu devido lugar. Somos histórias indivisíveis. Reinventamos nossos detalhes e isso nos diversifica do mundo. Cria nossa identidade. Nos faz únicos e especiais para uma alma gêmea que estamos sempre buscando.

A aventura de um afeto nos fortalece. Um misto de ontem e hoje. Os sonhos que ainda não encontraram concretude e os desejos que acalentamos durante a árdua jornada da vida. Os adultos então menores quase impúberes tergiversam sobre sentimentos entre um pedaço de chocolate e um beijo pleno de meninice.

Fico imaginando onde colocaremos as caçarolas e os pêssegos emblemáticos de nossa neófita história. Onde o afeto será guardado em detalhes. Em palavras sem muito sentido, mas plenas de significado. Coisas sem explicação, mas que preenchem um universo empoeirado e esquecido de emoções que ansiamos viver.

O perfume das nossas empreitadas emocionais. Coroada pela divertida e nada convencional descoberta. Nem sempre a sanidade faz parte daquilo que nos torna mais leves. Uma viagem sem programação. Passeios sem roteiro. Palavras que escapam dos lábios. Um conforto se instala entre nós ao perceber que nos aproximamos e confrontamos sem escudos.

Uma viagem fantástica, mas ainda sem paragem certa. Os caminheiros precisam traçar os novos passos. Promover encontros em territórios neutros. Diante das intempéries já imaginadas a precaução se faz indispensável. Porém cada emoção permeará um universo ainda desconhecido e repleto de minúcias que ansiamos desbravar.

Com paciência teremos o nosso tempo. Saberemos dos nossos pêssegos e das nossas caçarolas.  E quem sabe das panelas e frigideiras sem tampa – como nós dois até então. Talvez fosse nisso que pensava quando adormeceu – que cada panela tem sua tampa. Mas não posso imaginar onde encaixar os pêssegos nessa história. Terás que me ajudar para saber o desfecho.

Taís Martins

Escritora, MsC, e professora.

Contato:  taisprof@hotmail.com

               focuslife@playtac.com

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