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Letras no Espelho
24 de maio de 2014

"E era só que teria de enfrentar: a pobreza e a morte. "

Manuel Bandeira.

Não há silêncio num coração atormentado como o meu. Não vivo das minhas angústias, mas sou incapaz de esquecê-las de forma permanente. No sorriso trago a imprecisão do tempo. Entre gargalhadas e frases deixo esquecido quem eu sou para ser aquilo que se perfaz conveniente.

Os planos e as dúvidas circundam a cabeça. Desafiando a minha incapacidade para o tear vou construindo um tecido dos meus desejos e projetos para vestir o meu corpo das coisas que reputo cruciais para ter equilíbrio e sentir o sabor dos pequenos sucessos diários.

Não merecemos prêmios pelo sucesso, mas somos alvo de críticas quando a platéia julga os supostos fracassos. Os enganos participam de todas as jornadas, mas o afeto resta divorciado dos laços de amizade que supostamente se estabelecem diante da sequência da vida. Mudam os tempos e por vezes “cambiam” também os amigos.

A solidão é o traço impreciso da minha rotina. Não há na minha pele a saudade de quem eu fui no passado. Há uma nostalgia das pequenas emoções e das coisas que imaginava no futuro. Recebi muito abraços, porém careci de modo agudo de amores mais verdadeiros e dedicados.

Recebi muitas garrafas de vinho e champagne como presente pelos meus sucessos, mas não encontrei uma boa e contínua companhia para sorvê-los. Todas as histórias possuem dois lados, mas diante de enlaces e enganos nenhum deles me pareceu muito satisfatório. O equívoco estaria nas escolhas ou na insistência? Não sei dizer...

É um traço de argúcia rir das minhas tragédias particulares. Meu humor negro se delicia com as dores irreparáveis. Com os vazios tenazes e com a partida das pessoas que eu pensei que encontraria durante a existência até chegar na velhice. Gosto das permanências, mas não mantenho no meu regaço as coisas que não me pertencem.

Repetidas vezes compreendo a palavra efemeridade desejando transformá-la no termo eternidade. Queria que aquele sorriso de felicidade. Ou aquele abraço apertado não estivessem exclusivamente nos retratos. Há uma síndrome de passado nas minhas memórias, mas eu não posso voltar para a saudade que sinto. Ela existe só em mim.

Por vezes me senti parte das brancas paredes da minha casa. Imóvel e sem coragem para mover qualquer membro. Desejava manter essa imobilidade até que as nuvens do dia partissem e as nuvens noturnas ocupassem minha angústia. O céu brilharia entre estrelas. Vislumbrando a comiseração das coisas que não sou capaz de mudar.

A ventania lá fora faz com que as coisas saiam do lugar. Enclausurada em meus segredos vou arquitetando uma paz inexistente. Estou cansada de tudo o que circunda essa vida fastidiosa. Com vazios aplaudidos e conquistas reais nunca comemoradas. Ë impossível explicar coisas singelas que os demais são incapazes de perceber.

No universo das aparências posso vestir Chanel para o meu enterro ou para um chá com os meus colaboradores. Certamente a vida ou a ausência dela no interior do manequim não será notada. Afinal tudo que é belo afasta o temor alheio. Os interesses cegam nossas perspectivas e confrontam as nossas verdades.

Laços de amizade suprimidos pelos comuns interesses. Temos um prazo de validade na loja de favores pessoais. A utilidade determinada pelo aparente sucesso. A capacidade de reconhecimento de jóias verdadeiras e cópias perfeitas e voluptuosas. Com facilidade somos permutados pelos nossos similares colegas e competidores.

Não carrego tristezas esparsas e tampouco me habituei a carregar remorsos inúteis. Gosto de me perder nos meus escritos comovidos enquanto analiso a vida e os desafios impostos para seguir com ela. Não é uma postura de um espírito depurado, mas sim a busca de uma sanidade fugidia diante dos enganos comuns da jornada.

A bem-aventurança da vida é revolver as nossas ilusões sem perder a lucidez. Há momentos profundos atados em nossas vísceras. Nossos ossos acostumados a suportar o corpo são remediados com sonos profundos onde nos sonhos as amarguras cedem lugar para devaneios mais afáveis.

Morrerão os que me amaram como já são mortos alguns dos que verdadeiramente amei. A lei do universo é muito mais brutal do que sensível. Um dia talvez eu não seja capaz de reconhecer o meu rosto no espelho. Na incongruência dos tempos a sanidade pode ceder aos fantasmas permanentes.

No entanto, com uma sutileza pouco peculiar sigo tapeando o destino. Na decrepitude que a todos visita. Cuidadosamente deixo pistas nos cadernos antigos, nos livros e nas fotografias dos meus lugares favoritos. Quando o rosto abandonar a beleza e as mãos forem mais lentas para acenar. Nas palavras eu sempre serei capaz de me reconhecer.

Taís Martins

Escritora, MsC, e professora.

Contatos: 

taisprof@hotmail.com

  focuslife@playtac.com

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Os caminhos da imaginação pela Escrita

Deixe seu comentário:

  • Tais Martins

    Flora Anita. que Deus te ilumine sempre. Obrigado. bjs milll

  • Tais Martins

    obrigado aos queridos Marcos e Raphaella. bjs

  • Tais Martins

    Obrigado pelas palavras sempre magníficas. bjssssssssssssss

  • Tais Martins

    querida Kacilda Santos. obrigado pelo carinho

  • kacilda Santos

    Maravilhoso

  • Denise Maria Mendes

    Magnífico!!! Invariavelmente, haverá um determinado momento em que nos quedaremos surpresos com nossa própria lucidez. No cerrar das cortinas da ilusäo a difícil e quase sempre evitada verdade de que tudo aquilo que se prenunciava eterno näo durara mais que uns poucos momentos à tecer nosso mosaico interior. Todavia, ainda que paradoxal, nas lentes e nas letras há que se encontrar um pouco de tudo aquilo que fomos. E só depois, bem depois, seremos eternamente lembrados.

  • Raphaella

    Amo as suas palavras. Um prazer ler. Te felicito sempre.

  • Marcos Castilhos

    Como sempre magnífica. Seu texto é inebriante e emocionado. Parabéns.

  • Flora Anita

    "Gosto das permanências,mas não mantenho no meu regaço as coisas que não me pertencem"...essa frase uniu minhas angústias as tuas,obreiras das palavras que somos,na transparência do que nos vai pela alma.Bravo!