Playtac

Focuslife

Colunistas

Home / Focuslife / COLUNISTAS Voltar

Mórbido Prazer
05 de julho de 2013

"Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia."

José Saramago

 

Impressiona a satisfação com que algumas pessoas – as mais mesquinhas por certo, dimensionam seu amargor em palavras ou com ações. Afligindo e desbotando o sol daqueles que estão por fazer o seu melhor. Mesmo que esse melhor seja débil e singelo. Há sensibilidade nas almas que não apreciam o desdém alheio.

Observo que há nas pessoas – que dizem amar –  uma tenacidade em manter a pessoas supostamente amadas como presas. Sem a cautela de observar nos olhos – quanta infelicidade é possível cultivar mesmo que permeada por sorrisos e boas palavras. Não se trata de falsidade, mas sim de sobrevivência. Uma doença incurável que se chama afeto.

Algumas pessoas desconhecem o real sentido do amor. Distribuem a amargura na forma de papel de presente. Ou quiçá - na forma de pacotes de bolacha que uma vez entregues parecem recheados de carinho, mas que em poucos segundos tem realçado o sabor de ofensa e mesquinhes.

Moro num povoado onde observo isso de forma muito nítida. Os favores travestidos de afetos que são cobrados na mesa do café, almoço e jantar. A ignorância não habita no semblante, mas nas ações que surgem. Hora com rudeza pontual. Ou por vezes com brincadeira comezinha diante de pseudo-amigos e simpatizantes do bairro.

A falsidade é como o sangue. Transita nas veias daqueles que coabitam. Sempre há um café quente e um bom pão na mesa para a s visitas, mas noutros dias os copos estão vazios de líquidos simpáticos e carinhosos. Vislumbro como as fotografias antigas onde os rostos nada dizem porque os corações nada sentem.

Aprendi que nem sempre um lar limpo está organizado. Pelas janelas vizinhas há tantas desordens pessoais. Prateleiras cheias de comida e vazias de amor. Revivo Nelson Rodrigues pelas leituras e pela análise da vizinhança. O que há de errôneo onde tudo se equilibra em frágeis ou falsas vicissitudes.

Shakespeare nos alertava que beijos não são contratos. Talvez. Porém. Esquecera o nobre poeta de mencionar que o poder do ósculo tem “dopia” função. O carinho almejado. Outrora uma condenação para aqueles que sucumbem a teia de afetos tecidas pelos mais hábeis. É preciso alimentar as almas vazias e sorver em olhos cheios de sonhos. Os vazios travesseiros.

Gosto dos livros. Revelam o que nem sempre descubro como sentir. A janela e a tevê competem em histórias de vida mirabolantes. Umas com finais sempre felizes e outras sem finais. O que me incomoda são aquelas incompletas. Onde a vingança e o perdão misturaram o contorno e não é possível saber se a paz reina ou é somente uma guerra em intervalo.

O olhar humano nem sempre é sagaz para as presas. Nesse aspecto a sabedoria dos animais é mais delineada. Em regra sabem quando serão arrebatados para servir de alimento ou de troféu na sala de algum “insano” que busca na morte a sanidade para manter em equilíbrio a fachada do seu prédio da vida. Nas cores que ele escolheu exibir.

A sabedoria é uma linha tênue que se achega em nossa existência com o passar dos anos. Alguns corpos, porém, definham sem descobrir a graça de não magoar as pessoas. De guardar sua língua das ofensas. Rezar menos e amar mais. Enviar presentes livres de malefícios eternos, pois a mágoa é uma semente forte e próxima da eternidade.

Há pais que não valorizam o abraço e o esforço dos seus filhos. Há namoradas que desprezam o esforço de nobres rapazes em agradar com um simples sorvete. Há filhos que por amor aos seus pais desistem de sonhos afáveis. A ingratidão espraia um mórbido prazer ao distribuir a amargura em doses homeopáticas e definhar alegrias que seriam verdadeiramente belas.

Fico cismando com a vida. Enquanto escrevo reflito na vida que tenho e naquela que planejava ter. Revejo as fotos e penso que ao falar para os outros revelamos também um pouco de nós mesmos. No ofício de Deus eu imaginava corações meigos. Amores inquebrantáveis. Filhos honestos. Pais gratos. Avós felizes. Netos cheios de saúde. Livros novos. E nas janelas flores.

Taís Martins

Escritora, MsC, e professora.

Contato:  taisprof@hotmail.com

              focuslife@playtac.com

SIGA 

 

LITERATURA e POESIA
Os caminhos da imaginação pela Escrita

Deixe seu comentário:

  • Tais Martins

    Obrigado. suas palavras são de grande valia. bjs

  • Maria Helena Martins

    O que escreve são verdades do mundo, a disfarsatez toma conta das pessoas, o que julgamos ser valores, a algumas pessoas nada significa. "Inúmeros lobos vestidos de carneiro, e super heróis que acham que tudo podem.