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Mudanças
10 de março de 2014

"Que segredo tão árduo e tão profundo. Nascer para viver e para a vida. Faltar-me quando o mundo tem tempo para ela.."

 Luís de Camões.

 

Quando crianças escrevíamos cartas para nossos amigos queridos. Era divertido e fabuloso buscar a caixa de correio. Aguardar o tempo para abrir um envelope cheio de emoção. A era tecnológica matou ou suprimiu muito o nosso romantismo. Hoje, o whatss up, o Facebook ou Skype fazem às vezes de noticiar nossa vida. Partilhar ao longe o que vivenciamos.

Ainda penso na distância que nos separa das pessoas que gostamos. O nosso trabalho. Milhares de reuniões. Compromissos inadiáveis. Permitimos – mesmo que de forma inconsciente – que a felicidade seja protelada. Escolhemos vitórias vagas. Afinal o mais belo dos brindes em regra é a companhia. O nosso reflexo na retina daqueles que nos querem bem.

Concluo de modo vago – numa pitada de veneno pessoal - que os amigos são hoje desconhecidos. Bordamos a nossa pseudo-vida na rede social. Nas fotos bonitas e nas mensagens cheias de palavras que não vem da alma. Repetimos comportamentos e aos poucos no espelho passamos a ver o que inventamos ou afastamos a imagem desinteressante.

O valioso dos tempos modernos está na aparência. Não está no sentir. A felicidade é uma falácia escondida em sorrisos maquiados. Nos ternos caros e óculos de sol com um apelo de grife. Somos um arremedo do que poderíamos ser. Atrelados às convenções que nós mesmos criamos e terminamos aprisionados nessa quase concretude que nos afasta de coisas singelas.

Não há tempo para tomar um café e ler um livro novo. Estamos atribulados com a nossa aparência. Os cabelos. As unhas. Roupas. Carros novos. Viagens com glamour e sem sentido, pois estamos em Paris com um semblante similar ao chopp no bar com os amigos no bar da esquina. Não há magia, pois nos esquecemos de nós mesmos.

Meu fito nunca esteve espraiado nas lições de vida. Sou uma alma incongruente em busca da felicidade. Meus aprendizados não permitem que eu desconsidere momentos tolos. Aprendi a efemeridade nas letras de Cecília Meireles. Posso morrer amanhã sem medo, pois as palavras não ficaram engasgadas entre a minha língua e a minha garganta. Fossem elas boas ou ruins.

 

Concluo pelos meus espelhos emocionais que deixamos de ser o nosso melhor. Esquecemos dos bons amigos. Dos jogos da adolescência. O primeiro amor. Não estou por dizer que devemos viver de passado. É nossa tarefa aprender com ele. Afinal há coisas que deixamos para trás e nunc amais recuperamos.

Não é preciso buscar o primeiro amor. Mas seria perfeito viver um novo amor como se fosse o primeiro. Retomo afirmações já feitas. Permitimos que a magia vá esmaecendo em nossas vidas. Não comemoramos a vida. Não há tempo para sorver o sabor de uma bala nova ou retomar o gosto da infância naquele doce com gosto de uma vida que só existe na memória.

Eu ainda escrevo cartas para os meus amigos e amados através dos meus poemas e livros escritos. Porém, não abandonei hábitos temerosos como dizer a verdade. Dizer eu te amo. Fechar a vida depois de um adeus. Inúmeras vezes é minha alma que fala e nunca desejei calar esse ímpeto, pois é ele que me concede a graça ou a desgraça de ser como sou.

O tempo mudou muitas coisas. Meu cabelo comparado à juventude está irreconhecível. Mas, na alma e no olhar eu ainda sou a mesma. Porque assim desejo. Não se trata de uma condenação, mas sim de uma escolha. E pautada nessa máxima mantive amigos de trinta décadas, quinze décadas e alguns de pouco mais de trinta dias cheios de histórias.

O valor e o sabor da vida são fugidios. Tenho convicção de que tentamos eternizar as coisas. Nem sempre com sucesso. Porém, hoje à tarde, vou sair para um sorvete de tiramissú com a minha filha mais velha. E antes da aula da tarde vou beijar meu filho pequeno até doer os lábios. Esforços e dores que valem a eternidade dos sentimentos. Isso salva a minha alma.

Grandes vitórias só tem efetividade quando partilhadas. Um vestido novo só terá valia diante do brilho dos amigos. Fazendo com que o tecido seja parte de um contexto de brindes, beleza, alegrias e novos convites. A vida é cíclica. Envelhece o vestido, mas perduram as emoções especiais. O pano se desfaz, mas permanece a imagem do baile.

Eu ainda vivo de emoções. Mesmo que fugidias. Tento prender um pouco de seus perfumes no papel. No intuito de que quando as narinas não forem capazes de trazer o perfume das flores já inexistentes. Haja nos olhos a beleza das pétalas que ainda estão intactas. Há coisas e momentos na vida insubstituíveis, pois uma linda foto não vale o calor de um abraço...

Adaptada a modernidade. Uso celular, Facebook. Adoro fotografias. Porém o gosto de um bom café. Coado no pano. Na xícara comprada pela minha velha avó, já desbotada e gasta. Que fica no fundo do armário na casa dos meus pais. Potencializa sabores e aromas. Mesmo que eles não notem a mudança que o tempo imprimiu em mim. Eu sou outra. Ou outras...

A menina ansiava por ser mulher. E a mulher tem imensas saudades da menina. Na escola, sonhava com a faculdade e na faculdade sentia saudades dos amigos da escola. No colegial imaginava ser advogada. Mas a professora de direito é saudosa dos jogos colegiais e dos lanches no pátio. Escrevia sonhando em publicar um livro. E hoje revisa novos livros...

Aprendi com a filosofia budista que a única coisa permanente na vida são as mudanças. Destarte não é necessário apagar o rastro de nós mesmos no tempo. Pois sem fidelidade a história perde o contexto e os personagens recaem nos finais sem graça. Podemos ser atores principais ou coadjuvantes na busca da felicidade. É uma escolha permanente. Alea jacta est...

 

 

Taís Martins

Escritora, MsC, e professora.

Contato:  taisprof@hotmail.com

               focuslife@playtac.com

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Os caminhos da imaginação pela Escrita

Deixe seu comentário:

  • Denise Maria Mendes

    Brilhante. Viver a vida sorvendo o novo e acumulando saudades de todos que em algum momento, com simplicidade e sentimentos nobres coloriram, perfurmaram e se tatuaram em nossos corações é para poucos, como você, Taís Martins.

  • Tais Martins

    Denise... seus comentários enobrecem minha alma. Desejo que as pessoas possam me ver pela bondade dos seus olhos. Bjs

  • Tais Martins

    Carla. Obrigado. Meu fito é a simplicidade e as emoções. bjs carinhosos.

  • Tais Martins

    Liana Lisboa... seu carinho propicia novos textos e eternas reflexões. bjs

  • Tais Martins

    Namastê Hélio. seus comentários sempre chegam ao meu coração. bjs

  • Tais Martins

    Obrigado Katya. bjs

  • Tais Martins

    Maria King suas palavras tem sempre um encantamento nas minhas emoções...

  • Maria King

    Admiro e amo seu trabalho.Você é luz que não se apaga!Parabéns!

  • Katya

    Ótima reflexão!

  • HELIO OLEGARIO DA SILVA

    Perfeito!. Apendi que na vida a única coisa que não muda, é o fato de tudo estar mudando constantemente. Namastê!

  • Liana Lisboa

    Maravilhoso.... como se lesse o pensamento de cada menina...de cada mulher... fantástica a sua sensibilidade. As palavras de seus textos de a força para imprimir em nós as emoções que sente. Beijos

  • Carla

    Adorei o texto... simples e emocionante.... a vida como ela é. Parabéns Taís!!!!!

  • Denise Maria Mendes

    Brilhante! Com a simplicidade e a perspicácia que lhe é peculiar traz à tona o que a maioria insiste em mutilar: a sua própria essência. Se aparentemente estereotipada, estilizada e formatada pela inevitável conveniência e circunstäncia, a sua criança interior resiste, incansável e bravamente às vicissitudes do tempo. E assim ela vai vivendo, se reinventando e vivendo sempre novos sonhos. Taís é dual, por isso täo encantadora.

  • Claudia

    Belo texto, O VALOR DOS MOMENTOS, E NÃO DAS COISAS!!!