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O homem à minha janela
24 de abril de 2014

 

            Sexta-feira à noite decido dormir. Ao fechar as cortinas, percebo pela primeira vez, que um homem dorme à minha janela. Talvez à uns três metros de distância. Constrangida e surpresa com o fato, espiei a cena por um determinado momento. Não conseguia deixar de olhar. Não conseguia parar de pensar. “Quem era ele? Porque dormia ali, na grama fria, rente à uma rua tão movimentada?”.

            Comentei o fato com meu filho e em vão fui me deitar. Não consegui de fato cair no sono. Minha mente inquieta comparava a minha capacidade de dormir, sempre tão delicada, com aquele homem dormindo logo ali, ao relento, à beira da minha janela. No frio, em meio ao barulho, aos possíveis insetos e tantas probabilidades negativas.

            Senti vontade de lhe oferecer um cobertor, um prato de comida, um travesseiro que fosse e até mesmo um banho de chuveiro. Quantas necessidades alguém que dorme na rua possui? Eu não sei. Com certeza todas as que eu tenho e outras mais.

            Com a lembrança viva do dono de um cachorro, que eu sempre alimentava por pena, me peguei com receio. O proprietário do cachorro não compreendendo meus sentimentos por seu cão (que parecia beirar a morte) achou que eu tivesse interesse em sua pessoa. Experiência tão grotesca, que acabei abandonando o cachorro à seu próprio azar, de ter tal dono e ao fato de nenhuma organização de proteção aos animais ter se manifestado em relação às minhas denúncias de maus-tratos.

            Como poderia ajudar alguém que dorme diante de minha janela? Não deveria fazer isso sem pensar? Afinal, por que tinha que estar justo ali, bem diante de meus olhos? Diante de um coração tão bobo e ao mesmo tempo de uma mente tão hipócrita?

            Na noite seguinte fui me certificar se o homem dormiria ali novamente. E sim. Lá estava ele, mais uma vez sobre um longo pedaço de papelão, coberto com algo que não consegui identificar. Entre uma árvore e uma moita, o homem colocava uns pedaços de papelão à frente de sua “cama”, algo que parecia apenas o proteger de olhares mais atentos. E nada mais.

            De domingo pra segunda, com chuva, pude perceber que o homem se enrolou em algo que parecia uma lona. Mais uma vez olhei pela janela e lamentei. Meu olhar em meio às cortinas não era mera curiosidade, mas também uma oração silenciosa. Pedia que o estranho conseguisse ter alguma paz naquele sono tão inseguro. Inconsciente, devo ter pedido redenção à minha falta de atitude. Será que Deus perdoa os hipócritas como eu?

            Absorta ainda em toda a culpa de minha hipocrisia e falta de atitude, acontece algo, que me desconserta. Meu filho “solta” entre uma informação e outra, com a maior naturalidade, que deixou uma sacola para o homem contendo um panetone e frutas.

            Meu filho não ficou espiando o homem pela janela, nem provavelmente ficou indagando coisas mil. Acho que nem mesmo pensou. Foi lá e fez. E por menor que tenha sido sua atitude, agiu. Bem diferente de mim e da maioria de nós, que apenas sente, muito pensa e nada faz.

            A vida implicitamente me obrigou a rever meus medos e faltas. Um exemplo a seguir, de quem eu deveria estar sendo o exemplo.          

Fadados ao medo de ajudar ao próximo, quando não sabemos se o mesmo representa algum tipo de perigo, calamos as nossas ações, que possivelmente mudariam o mundo.

Pra que cada um de nós possa encostar a cabeça no travesseiro e realmente dormir em paz, que cada um também se responsabilize por seu respectivo homem à sua respectiva janela.

            Nesta vida nada é por acaso.

CAROLINA VILA NOVA

ESCRITORA E ROTEIRISTA, de Curitiba.

Contato: focuslife@playtac.com

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