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Olhos de ressaca
26 de março de 2014

"Sinto-me derrotada pela minha própria corruptalidade e vejo que sou intrissecantemente má. "

Clarice Lispector

Há tantas personagens que circundam meus pensamentos... mas Capitu tem uma parcela imensa nesse imaginário de histórias alheias, mas que emocionalmente restam apoderadas nos meus melhores pensamentos literários. Como esquecer os olhos de ressaca que tanto assolaram os pensamentos de Bentinho...

Convivi naquela casa. Com personagens reais e alguns caricatos. Bem como adentrei outros imaginários alheios. Horas fugindo do que vivi e noutras ansiando viver os lineamentos daquelas personagens aprazíveis e odiosas ao mesmo tempo. Estou naufragada nos olhos de Maria Capitolina Santiago e de suas condenações sem defesa.

Noutras vezes me encapelo em Clarice Lispector conjugando suas forças mescladas com seus temores. Imagino sua tragédia interior. Temerosa com o dia em que as palavras poderiam não mais suprimir o seu vazio interior. Momentos em que a inteligência é suprimida pelas nossas falências emocionais.

A felicidade está nos momentos. Nada é pleno e absoluto em nossa existência. Por vezes cantarolamos nossas lágrimas transformando um inverno crucial numa amena primavera. A maneira como nos relacionamos com o mundo é o real sentido daquilo que representamos individual e coletivamente.

Há muitas filosofias para enfrentar os desafios diários. Maquiavel mencionava que "O homem que tenta ser bondoso todo tempo está fadado à ruína entre os inúmeros outros que não são bons." De toda sorte. Na crueldade não encontramos pousos seguros. Competimos pela sobrevivência, pelo status social. Contando com as nossas competências e possibilidades.

Quando escrevo – no entanto – não sinto esse fardo. A literatura é um convIVere dos mais agradáveis. Desenho a minha vida em preto e branco. Palavra por palavra desencadeando textos, poemas e críticas. Transito no meu universo particular e visito histórias alheias. Não roubo emoções. Só as tomo emprestadas para dialogar.

 

Pensei que, talvez, de algum modo esse universo literário pudesse proteger meus sonhos. Um construído de pessoas e coisas enredadas no meu íntimo. Há algo que resta vago entre eu e aquela imagem refletida no espelho. Meus olhos grandes e castanhos são silenciosos e minha boca calou ainda mais diante da impossibilidade dos exercícios de confiança.

Passei a vida ponderando os limites da confiabilidade. O amor sempre foi um enfrentamento. Pífias conquistas que duraram como bolhas de sabão nas tardes de sol. Escrevi muito mais sobre os sentimentos do que fui competente para sorvê-los. As escolhas ruins fizeram amealhar dolorosas e permanentes separações.

Como poeta encontrei plenitudes. Nos contos revelei emoções singelas. Algumas que me pertenciam e outras meus ouvidos coletaram nas minhas viagens atemporais. Porém não fui competente para escrever romances. Afinal eles exigem finais que eu desconheço. Encontros felizes e intermináveis não são ainda a minha especialidade na vida e na escrita.

Houve dias únicos na minha vida. Mesmo que efêmeros. Pressenti afetos como quem experimenta a brevidade da morte. Nos meus óculos escuros as lentes coletaram emoções irreveláveis. Nas minhas retinas nem sempre protegidas há telas multifacetadas e multicoloridas. Com a tenacidade de quem sempre se apegou as cores fortes e vivazes.

Ao sabor das horas que furto de mim mesma. Gosto de perder minhas matizes nas letras que não fui capaz de escrever. Os abismos largos e tenebrosos são substituídos pelas juras sinceras das lágrimas puras. A mão velando tecidos alvos e delicados separando meus melhores sonhos dos devaneios que não posso sustentar acordada.

Da ventura fugidia – resto –  embrenhada nos personagens rebeldes ainda é possível me encapelar na felicidade imorredoura. As letras não mudam. O que pode mudar é o sentido do leitor. E nesse caso, eu não pretendo codificar ou corromper nada. As letras são amealhadas e  adentram a minha alma como um sorriso ofertado numa hora abençoada.

Fechei os lábios esperando a paz que sucumbe diante da vingança. Sofri na vigília sem sono aguardando que o amanhecer levasse a minha alma para cenários mais amenos e reconfortantes. Fugidia dos pérfidos amigos encontrei mensagens eficientes nas páginas alheias. Nunca confiei nas verbalizações e mãos estendidas sem interesse.

Com o pesar amargo fiquei prostrada entre a lânguida harmonia e o amor sonhado pela poetisa. O gosto por Capitu se perfaz na sua falta de transparência. Ela é o que desejou ser. Nem a dor e nem o amor modificaram seus olhos de ressaca. Não importava ser chamada de filha do mal ou ladra pérfida do amor que nunca foi reconhecido.

 Ela amava e mantinha por perto o seu amado. Bentinho era um fraco e sempre foi um fraco. Sustentava seu amor em suas inconcretudes e na dependência afetiva das palavras de sua mãe. Desprezo às pessoas que depositam no outro as suas vontade e por esse motivo Capitu sempre se mostrou uma heroína digna de nota, pois não sucumbiu aos julgamentos.

 

Através de seus olhos de ressaca ou de saudade, sacrifiquei meus sentimentos em benefício daqueles que escolhi amar. Eu obedeci à lei de toda a gente. E sem contar com a sorte dos afetos, eu sabia que o meu tempo seria contado - no fim da vida - por uma atitude honrada. Sou uma letra morta que conheceu todo amor na letra da poesia e nos alfarrábios livrescos.

Nas personagens que desejei ou que por desprezo, excluí dos meus eleitos estreitei os laços comigo mesma. Não almejei ser mais do que pude ou tampouco me especializei em ser a imagem desejada por outros. O desvendamento dos meus olhos sem Capitu são travessuras que revelei quando interessava e que escondi segundo as minhas conveniências.

 

Taís Martins

Escritora, MsC, e professora.

Contato:  taisprof@hotmail.com

               focuslife@playtac.com

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Deixe seu comentário:

  • Tais Martins

    Querida Flora Anita... há personagens eternos. Capitu o é... bjsss

  • Flora Anita Pereira da Silva

    Mais uma vez nossas almas coincidem...quando conheci Capítu me encantei por ela e senti que éramos espelhos flutuantes no romance Dom Casmurro.Muitas lágrimas já correram ao ler Clarice,com quem mantenho uma identidade secreta e única....e agora você Tais,que mês traz as duas somadas quando tua alma linda e rica desliza pelas sendas da vida.Bravo!