Playtac

Focuslife

Colunistas

Home / Focuslife / COLUNISTAS Voltar

REALIDADE INSPIRANDO A FICÇÃO NO CINEMA OU FICÇÃO INSPIRANDO A REALIDADE...
04 de maro de 2013

 

By Ricardo Zimmer ( à direita ) e o artista Jair Rodrigues

 

Ao longo do século XX, o cinema transformou-se em um poderoso meio de comunicação de massas e numa das industrias de entretenimento mais poderosas do planeta como se diz claramente: o cinema é uma industria que não polui, ao menos com chaminés expelindo no espaço gases, fumaça e outros atributos. O Cinema, despertou interesse de vários estudiosos, em especial os historiadores, que se envolveram no debate sobre as relações entre o audiovisual e a história. Até que ponto o cinema poderia produzir obras históricas ou, somente, obras de ficção? E como distinguir o discurso histórico do ficcional? Com que parâmetros uma produção recria com realismo o passado, uma época, um período histórico, uma civilização extinta, um marco histórico relevante e marcante.

Aristóteles, na sua Arte poética, estabeleceu uma distinção simples: historiador é aquele que escreve sobre o que aconteceu,  porém o ficcionista escreve sobre o que poderia ter acontecido. No entanto, essa distinção se turva quando admitimos que o fato não é uma matéria bruta que se impõe à percepção, mas sim a resultante de buscas movidas pela interpretação do real. Assim o cinema se salva pois como instrumento de contar histórias, fica a indagação do que é real, fantasia, ficção ou mero retrato suposto de uma realidade, um fato, um marco.

Neste debate, há uma vertente que prioriza a interpretação histórica do filme, valorizando não só as produções que se pretendem não-ficcionais, mas também as de ficção. Segundo Marc Ferro, historiador Frances é  um dos principais nomes da 3ª geração da "Escola dos Annales". Ferro é conhecido por ter sido o pioneiro, no universo historiográfico, a teorizar e aplicar o estudo da chamada relação cinema-história.  o filme, seja ele documentário ou ficção, quando analisado em associação com o mundo que o produziu, pode prestar testemunhos da realidade representada. A hipótese desse historiador tão peculiar que fez trabalhos na Argelia em plena revolução e em 1996 esteve no Brasil em Salvador num simpósio sobre cinema, coloca o filme, o documento ou ficção, na intriga autêntica ou pura invenção, denominando história.

Todavia, mesmo as produções não se isentariam de aspectos ficcionais: o desempenho dos atores, a voz, os gestos. Se, como dizia Glauber Rocha, “um filme é feito com uma câmera na mão e uma idéia na cabeça”, parece evidente que a câmera exibe o que a cabeça pensou. Em todos os filmes, a realidade mostrada é, antes de tudo, editada, reinventada e marcada por uma linguagem que conduz o espectador a um condicionamento do olhar e sentir emoções, sejam elas alegres, tristes, angustiantes ou simplesmente superfulas.

Assim, percebemos que as duas vertentes anteriores se combinam na medida em que história e ficção se mesclam. Um exemplo feliz dessa fusão é o filme O Nome da Rosa ( foto 1 ), dirigido por Jean-Jacques Annaud e baseado no romance homônimo de Umberto Eco, em que um monge investiga uma série de mortes em um mosteiro medieval. Trata-se de uma obra de ficção que recebeu elogios dos maiores medievalistas, entre eles, Georges Duby historiador Frances que início à sua carreira universitária em Lyon, no ano de 1949, tendo sido posteriormente membro da Academia Francesa e professor do Collège de France entre os anos de 1970 e 1992. Lançou mais de 70 livros e coordenou coleções importantes, como a História da vida privada.

Foto 2: filme O NOME DA ROSA, com Sean Connery, de Umberto Eco



História e ficção, quando uma presta serviço à outra, produzem um cinema de qualidade, gerando um processo inesgotável de produção de sentidos. Talvez por isso, o cinema tenha atravessado as salas de projeção convencionais para chegar, também, às salas de aula. Não é a toa que hoje professores usam filmes como material didático para ilustrar aos alunos personagens históricos, momentos marcantes da humanidade e fatos que são revelados no cinema do homem em diferentes épocas e periodos.

Se analisarmos bem, a priori toda ficção é calcada na realidade, desde o roteiro, que costuma carregar experiências pessoais de quem o faz ou o encomenda, até a realização propriamente dita, que busca verossimilhança no real. O cinema moderno encontrou no traço do gênero documental um refugio para sustentar boa parte da sua dose de verdade. O que o discurso cinematográfico é incapaz de afirmar com seus elementos, tem encontrado amparo em câmeras que captam cada vez mais, a luz, a atmosfera e o movimento do real para platéias cada vez mais aficcionadas por tecnologia e efeitos especiais.  E assim também o nosso cinema brasileiro nesses últimos 15 anos, fica difícil dissociar um hibridismo que faz das nossas ficções, cada vez mais, irmãs siamesas desse gênero documentário, algumas vezes, levando esta proximidade a experiências estéticas inovadoras e interessantes, como é o caso de Viajo Porque preciso e volto porque te amo, de Karin Ainouiz e Marcelo Gomes, uma ficção completamente documental pro duzida em 2009 cuja sinopse descreve o personagem José Renato (Irandhir Santos) com 35 anos, geólogo enviado para realizar uma pesquisa, onde terá que atravessar todo o sertão nordestino. Sua missão é avaliar o possível percurso de um canal que será feito, desviando as águas do único rio caudaloso da região. À medida que a viagem ocorre ele percebe que possui muitas coisas em comum com os lugares por onde passa. Desde o vazio à sensação de abandono, até o isolamento, o que torna a viagem cada vez mais difícil.

Além desta porção estética de aproximação entre o imaginário e a realidade, temos também uma grande safra de bons filmes capturados diretamente de registros factuais, só para citar temos os super sucessos: Cidade de Deus ( 2002) e Tropa de Elite 1(2007)  ( foto 2 ) e 2 ( 2010), cada um a seu modo, deve boa parte do seu impacto à realidade, seja por apropriação ou inspiração que levarão multidão de brasileiros ao cinema sucesso também na Europa, EUA e outros países.

  

Fotos 2: filme TROPA DE ELITE, com Wagner Moura e Cidade de Deus

O cinema moderno via Godard ou mais correto ainda, Jean-Luc Godard ( foto 3 ), um cineasta franco-suíço reconhecido por um cinema vanguardista e polêmico, que tomou como temas e assumiu como forma, de maneira ágil, original e quase sempre provocadora, os dilemas e perplexidades do século XX. Além disso, é também um dos principais nomes da "Nouvelle Vague".  Godard foi um militante anarquista de centrismo,  cobriu o audiovisual de um sopro vital de realidade, levando-o para as ruas e retirando-o da redoma fria e distante dos estúdios. Antes disso o neo-realismo italiano fez dos escombros do pós guerra o terreno criativo para uma dramaturgia absolutamente inovadora, e hoje, com equipamentos cada vez mais portáteis, estamos vivendo o auge desse romance entre a ficção e o real, tornado quase inviável qualquer tentativa de fronteira entre eles. E assim o cinema se refaz e ao mesmo tempo invade nossa sala de estar, as salas de aula, nos celulares, notebook em viagens etc...Salve, o cinema. Não vivemos sem sua realidade.

Foto 3: Godard

 

Ricardo Zimmer

Cineasta, Diretor, Escritor e proprietário da BEAGLE Produções

 

SIGA

CINEMA
Coluna sobre Arte do CINEMA

Deixe seu comentrio: