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Regras do coração dilacerado
17 de abril de 2014

"A vantagem de ter péssima memória é divertir-se muitas vezes com as mesmas coisas boas como se fosse a primeira vez."

Friedrich Nietzsche.

 

O coração quebrado se enclausura. Palavras doces ricocheteiam. Flores são renegadas mesmo que plenas de perfume e promessas. Na sombra dos beijos imaginados há uma névoa de passado. Um temor que não se anuncia, mas aos poucos vai se esgueirando entre o desejo da felicidade e o medo dos fenecimentos reiterados...

O corpo dolorosamente cálido faz doer a alma. Uma angústia intangível que se conjuga acompanhada da crueldade – sempre – repetida contra as retinas que se negam a reagir. O balbuciar do ódio se restringe aos sonhos e por vezes em gritos o coração desperta com pedidos insanos de socorro nas seguidas madrugadas...

Há uma sombra de amor no meu rosto. Ainda me escondo nas minhas literaturas. Recobro o riso através dos personagens que se revelam. Outros permanecem escondidos neles mesmos e por vezes em mim. O desfecho das histórias se confunde com histórias que vivi e algumas que eu deveria ter vivido. Outrossim não sinto dor por aquelas que me parecem inatingíveis.

Os acontecimentos da vida nos conjugam em nuances e vertentes intermináveis. Sorrisos e lágrimas restam mesclados nas faces e nas almas. Nossas realidades travestidas em compromissos, reuniões, jantares de negócios ou almoços familiares. No entanto há um silêncio que nem sempre condiz com os nossos reais sentimentos.

Há etapas em que desejamos viver somente o dia de hoje. Noutros a expectativa que nos invade é a de que sejamos eternos para repetir momentos especiais.  O corpo não se presta a eternidade, mas as emoções suprimem relógios e cronologias vitais. Muitas vezes restamos alucinados em nossas histórias e aprisionados nelas...

Terminamos mesclados noutras vidas – independentes ou interligadas às nossas – e viramos as páginas alheias sem nenhum incomodo com o desfecho. Nosso egoísmo gera uma falsa segurança. Como se machucar nossa alma não mais fosse possível. Quando na verdade essa falácia só nos alija de felicidades sutis e novos capítulos para a nossas poesias dilaceradas.

Creio que algumas coisas morrem em nós de modo triste e irremediável. Penso no Natal, nas festas anuais como Aniversários, Páscoa, Dia das Mães e como era importante escrever um cartão, comprar um presente acessível ao bolso pueril. Estávamos inebriados pelos sonhos mesmo que essa alegria fosse internamente nossa e pouco compartilhada pelos demais...

Na tenra idade, processam-se as mágoas e se protelam as dores da juventude. Coisas que na idade adulta ainda nos assolam. Especialmente aquele bolo de chocolate mais parecido com uma sola de sapato velho, mas que gastou um mês para separar as moedas, uma semana para escolher os ingredientes e um dia todo na cozinha para cantar parabéns no fim do dia.

Tudo isso trocado por uma crítica ou por uma risada sarcástica. Coisas que o tempo tenta apagar, mas que agarram nas entranhas como uma negra tatuagem. Quando adultos fazemos análise, tomamos medicamentos e buscando a normalidade fingimos que esses episódios nunca nos afetaram, pois pertencer ao grupo e aparentar normalidade é uma regra sutil.

Creio que a nossa maior tarefa na existência é a superação. Abandonar as dores para não ser rotulado por elas. Buscamos incansavelmente a métrica da vida perfeita. Todo o sonho castamente ceifado nos faz viver e morrer em nós mesmos. Os seres que um dia amamos se transformam numa plateia que nos acompanha de maneira desnecessária e sem brilho.

O amor tem preço... Ou pelo menos aquilo que algumas pessoas nominam como amor. O aprendizado emocional seja talvez o certificado mais difícil de ser adquirido na academia da vida. Estudei muitos anos. Li obras incontáveis, mas sigo sem entender o sentimento alheio das minhas entranhas, pois alguns filhos sequer são capazes de reconhecer os seus pais.

Os livros e a existência humana estão abarrotados de amores que não se explicam e de histórias que mais parecem uma tortura diária. Quem poderia revelá-los na medida da crença efetiva de cada um. Sim. Quem ama crê e é incapaz de confiar num aviso de que tudo aquilo que sente pode ser uma armadilha.

Vivemos por nós mesmos e há algo de prazeroso nisso. Somos donos das letras que nos confortam ou destroem e em nosso âmago. Imprimimos o esforço necessário para descartar ou manter aquilo que nos individualiza no livro que escrevemos. Como interlocutores, personagens principais, coadjuvantes ou simplesmente o nosso eu desnudo.

Há almas sonhadoras e algumas que adoecem pela esperança negada. Reinventar as veias cortadas pelo tempo é uma tarefa para artífices meticulosos. A carne guarda marcas que os olhos insistem em não reconhecer. Afinal se a dor da constatação suprimir a ilusão - estaremos fadados à desistência de nós mesmo. Como um corte que a mãe medicou na infância.

A infelicidade pueril que nasce das minhas reflexões diurnas é que os alimentos do corpo não podem suprimir as dores incrustadas no âmago de cada coração. A fome nos afronta. Indicando que existe algo incessante que nos falta e sempre nos faltará. Nunca seremos saciados da nossa fome emocional.

A vantagem do desencanto é a sua brevidade. Porém como todas as dores ela vai sendo aperfeiçoada. Crescemos e abstraímos o que fomos e nos concentramos naquilo em que nos transformamos. Um dia uma lágrima, noutro um silêncio... e sempre um coração por algum motivo... dilacerado...

Taís Martins

Escritora, MsC, e professora.

Contatos: 

taisprof@hotmail.com

  focuslife@playtac.com

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Deixe seu comentrio:

  • Katiuscia

    Perfeito!!! Profundo!!! E faz refletir! E quem poderá desvendar a alma humana? Ou ainda esquadrinhar o profundo dos corações? E pra suportar as asperezas da vida, os desencantos sofridos e as tantas indiferença das pessoas, é preciso mesmo jogar as memórias de ontem no mar do esquecimento. Necessário se faz colocar as máscaras e nos vestirmos do sorriso mais bonito, e seguir andando por ai... cada um com suas dores e flores!

  • Odair Rogerio

    Envolvente !

  • Tais Martins

    Obrigado Raphaella. bjs

  • Tais Martins

    Obrigado Marcos. bjs

  • Tais Martins

    Rosemary suas palavra acalentam meu coração. bjs mil.

  • Tais Martins

    Gabriela minha pequena. você sempre gentil. bjs

  • Tais Martins

    Obrigado Lenice. Você é um anjo. bjs

  • Lenice

    Intensa e sublime ...

  • Gabriela

    Lindo!!

  • Raphaella Martins

    Um texto profundo e inspirador. parabéns.

  • Rosemary do carmo rolim diniz

    Taís, simplesmente disse tudo, até hoje guardo uma dilaceração de amor em meu peito, e penso que só irá se cicatrizar, quando conhecer meu verdadeiro amor. Muito obrigada, amo todas suas matérias, são renovadoras e de um ar tão sútil que se torna simples. bj

  • Marcos Castilhos

    Minha amada. texto magnífico. O brilho das suas palavras é encantador. parabéns.