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SEXTA-FEIRA
24 de abril de 2013

Sexta-feira

By Taís Martins

"... fica sempre a certeza de que se dormiu e se sonhou." Um Sopro de Vida Clarice Lispector

Não sou capaz de compreender esse enleio com a sexta-feira. É como se a vida ficasse em standy by nos demais dias e que não é possível ser feliz na segunda, ou na quinta-feira. As pessoas restam condicionadas ao fictício encerramento do tempo e no fatiar da vida. Da mesma forma que fazem isso no Natal e no Ano Novo.

A mim parece irritante ter dias para comprar os produtos no supermercado. Afinal temos dias para as ofertas consumeristas e também para consumir a nossa felicidade – sem observar o prazo de validade. Uma oferta de bolos e tortas na terça-feira, e se você não desejar comer ainda assim comprará porque está mais barato, mas no fundo pensará pelo condicionamento que seria melhor se fosse sexta-feira.

Mas hoje não é sexta e imagino que seja possível mudar o caminho para a casa. É possível comprar flores e levá-las ao portão de alguém. O doce sabor da surpresa para um afeto seu – seja ele amante, ou seja amado. A páscoa é em abril, mas há chocolates tão saborosos para além do formato de ovo e de um papel colorido...

Desagrada-me de profundis essa sinopse sem graça da vida. Comparo-a ao fetiche do carnaval. Quando as pessoas esperam um ano para colocar suas fantasias e brindar uma felicidade cheia de perspectivas e liberdade. Mas durante o ano são escravas de suas máscaras infalíveis. Fingem sorrisos e lágrimas. Não são capazes de exprimir carinho e tampouco recebê-lo.

Não somos escravos da vida, mas escravos das nossas escolhas. Queremos o sucesso com ou sem preço. Descartando a preciosidade de sentimentos fugidios e efêmeros. Fazemos isso em prol do indispensável. Como se soubéssemos o exato sentido dessa palavra. O indispensável só existe no final de semana. Muitas vezes com nossos amigos que não nos conhecem...

Então, fatiamos a nossa vida em calendários e datas pseudofestivas. Onde podemos dizer o quanto nossos  filhos, mães, pais e amigos são importantes. Independentemente se no correr do ano (sem as festividades) não somos capazes de um telefonema ou um encontro para o café.

O tempo afetivo dissociado do comércio é escasso. O egoísmo brinda sua vitória silenciosa. Pois, nos afastamos do que é essencial e ainda assim brindamos nossos sucessos. Mesmo que estejamos sozinhos e infelizes. Mas, nas redes sociais estamos sorridentes e magníficos. E na quinta-feira a noite já começa o processo nada catártico da espera pela sexta-feira.

Há uma notória fluidez nas almas. Perdemos o colorido dos encontros com os amigos. Não há tempo para bobagens. Um convite para um cineminha no meio da semana. E a pessoa nos pergunta: ‘pode ser na sexta-feira?’ temos dia marcado para procurar o que nos falta em todos os demais dias...

O afeto tem dia marcado. Para ser feliz, para chorar, para desabafar, beber ou beijar é preciso ser sexta-feira. Pois estamos cansados dos nossos trabalhos, da nossa rotina. Mas só podemos repensá-la na sexta-feira. Ou porque amanhã é sábado? Parafraseando Vinícius de Morais em Dia da Criação.

Penso em almas solitárias que passam suas vidas em apartamentos comezinhos ou coberturas magníficas. Tomando seu café barato ou quiça um Black Ivory, um Kopi Luwak, mas que na quinta-feira dormem cheios de esperança. Na expectativa de um raiar do dia cheio de promessas. Quem nem sempre podem ou devem ser cumpridas.

A ira e o amor nem sempre podem esperar o amanhã, mas é necessário esperar a sexta-feira. É fulcral um engodo de alegria em mentes solitárias, em corações vazios. Em pessoas cheias de medo. Permeio minha reflexões com uma dúvida singela. O que será feito daqueles que sempre esperam a sexta. E se a sexta-feira não chegar?

Estaremos nós condenados à  tristeza, ao enfado e ao desgosto... e os mais otimistas ou fingidores diriam: talvez ? Mas ela chegará como sempre chegou por décadas, por séculos, por milênio!” Sim, tenho convicção disso, mas careço de convicção de que será possível sorvê-la. Estaremos presentes quando ela romper a aurora cheia de magia que a ela se imprime?...

O sol nasce nas segundas, terças, quartas, quintas, sábados e domingos, mas o copo de álcool nos aguarda na sexta-feira para embeber as mágoas, para procurar nossos amores e para fingir que somos filósofos do tempo. Cheios de palavras baratas. Misturados entre rostos imundos de medo.

Nossa música favorita pode ser ouvida todos os dias. As declarações de amor devem ser mencionadas todos os dias. Os ouvidos e a alma precisa de alento. E para isso não precisamos seguir esse dissabor criado através do calendário. Temos esse culto para o ontem esquecendo que só possuímos o hoje...

É preciso desbravar o espírito e entender que não podemos perder inúmeros dias em prol de um único que traz em seu bojo promessas e pálidas realidades. Nem todos os filhos nasceram na sexta-feira. O primeiro beijo da Raphaella não aconteceu na sexta-feira. E nem todos os casamentos e divórcios se perfizeram nos finais de semana.

 Não me apraz essa algema imaginária. Que nos condiciona. Retirando as possibilidades dos sonhos e dos prazeres. Entre as muitas teorias ligadas a esse termo há o trabalho e sua dignidade. Como se fossemos feitos para os ônus e não para ter os bônus de um tempo feliz. Mas esse contorno já está esmaecido nos livros de história apesar de calcado em muitas almas.

A mudança é necessária entre paradigmas e coragem. Mudar nosso “modelito” na terça-feira. Pintar as madeixas na quarta-feira. Beijar alguém especial todos os dias. Comprar um batom novo na quinta-feira. Comer um chocolate novo na segunda-feira. E por fim no sábado e domingo fazer uma agenda que permita que a felicidade seja dissociada da sexta-feira.

 

Taís Martins

Escritora, MsC, e professora.

Contato:  taisprof@hotmail.com

Contato: focuslife@playtac.com

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LITERATURA e POESIA
Os caminhos da imaginação pela Escrita

Deixe seu comentário:

  • Tais Martins

    Querido Ronaldo pulsa no meu peito um coração bobo e palavras descontroladas... kk bjs

  • Tais Martins

    Vanessa Ristow eu brindo todos os dias. Pois a sexta-feira pode não chegar... bjss

  • Tais Martins

    Minha eterna Denise Maria Mendes o tempo nos escapa... Temos que cuidar dos nossos relógios bjsss

  • Tais Martins

    Meu querido amigo Wallace brincamos com a vida. Procurando a felicidade. bjss.

  • Tais Martins

    Estimado Helio Olegário. Obrigado pelo carinho. As minha palavras sempre nascem do coração. bjs

  • HELIO OLEGARIO DA SILVA

    Lágrimas e sorrisos de felicidade por encontrar um texto capaz de exprimir com tamanha exatidão o que sempre senti, mas nunca consegui traduzir em palavras! Bemdita Sejas Grande Profa. Táis! Namastê!

  • wallace

    Brincar com as letras, formar as frases, diagnosticar o entendimento dos leitores; me adentra em meu cérebro corre por todos os canais la sobrevivente, somente para eu lhe dizer, porque a sexta feira, se a minha sexta feira é quinta. Continue sempre escrevendo, poucas palavras dizem tudo.

  • Denise Maria Mendes

    Realmente. Quantas vezes nos permitimos quebrar a rotina e "mudar o caminho de casa", assim, de repente, e curtir um cineminha, um barzinho, um jantarzinho romântico com o amado ou com aqueles velhos ou novos amigos sem nos preocuparmos com o dia da semana, com o dia seguinte e todos os afazeres e responsabilidades inadiáveis e infindáveis? Quantas oportunidades de ser feliz perdidas pelo adiamento? Haveräo outras sextas feiras, mas o melhor dia é sempre o de hoje. Amanhä? Bem, o amanhä, talves chegue, talves ñao.

  • Vanessa Ristow

    Acredito que muitas pessoas pensam e agem como se todos os dias da semana fossem sextas feiras, outros, que todos os dias da semana fossem segundas feiras, porém, a semana possui sete dias e devemos e vivemos cada um deles de formas bem variadas, mas vivemos. Adoro quando alguém possui o dom de escrever sobre algo do nosso cotidiano de forma única e fantástica. Com relação a escritora deste conto, tenho a certeza de que ela sabe muito bem apreciar todos os dias de sua semana e também trabalhar de forma simples, verdadeira e fascinante o cotidiano do ser humano. O conto nos remete à realidade vivida por cada um de nós e com tal desenvoltura que acaba retratando a qualquer um que o leia. Brilhante o dom da escrita de quem sente e vivifica cada instante como sendo único e importante.

  • Ronaldo dos Santos Costa

    Cada vez melhores, os contos da escritora!!!! Parabéns!