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Uma certa Doutora Karina
21 de janeiro de 2015

 

"O tempo nasce em mim como exaustão "

Jose Paulo Paes.

A rigor somos plasmados pelos nossos amores. No entanto, coisas importantes são fugidias das nossas mãos. O destino não poupa os méritos poéticos e tampouco as agruras para os desafios que não fazem cessar a nossa inteligência. Nem sempre somos capitaneados pelas emoções e desejos. Nossos resíduos sentimentais nos dissolvem em vivencias nem sempre pitorescas. Somos vencedores no domínio daquilo que não mudamos. Aceitar, entender e acreditar são palavras desconexas diante da sensação aguda da perda.

No processo vivo e concreto das nossas identidades e dos nossos encontros. Fora e acima das nossas relações de afeto e profissionais. Descobrimos que laços emocionais surgem também de lugares inóspitos. Os labirintos que nos fazem deslizar para os nossos medos.  Conceber que precisamos de ajuda promove temores sem medida, mas ao estender as nossas mãos entremeadas pelas diminutas mãos de um filho pode ensinar que a humildade se constitui numa ponte entre um sim e um não...

Não era novo o terror que me afetava naquele dia. Meu filho já passara por inúmeros problemas de saúde. Naquele mês já havíamos passado por todos os atendimentos de saúde da cidade. Porem nenhum deles havia promovido à eficiência necessária. Eu devia estar delirante naquele dia quando adentrei a emergência do hospital. Afinal com a mudança de trabalho o plano de saúde foi cortado e o escasso dinheiro após longos tratamentos me fazia crer que não havia saída para resolver as crises do meu pequenino.

Dias internado em tratamento intensivo. Ficamos na UTI juntos e de mãos dadas durante sete intermináveis noites. Remédios caríssimos e testes de sangue e afins. Soro e lágrimas misturadas naquele quarto branco. Meu filho passou por crises terríveis, mas foi liberado para voltar pra casa - por um medico de espirito letárgico e displicente. Uma semana de paliativos e numa terça-feira chuvosa olhei para ele no sofá deitadinho e no minuto seguinte já estava com ele dentro do carro para a emergência.

O desafortunado primeiro encontro se deu nesse contexto. Adentrei com ele nos braços e aos berros queria uma solução para o meu desfalecido menino. Fomos encaminhados para a emergência, mas não havia nada para ser feito a não ser aguardar o efeito dos remédios. Em tudo que eu suportava naquele momento havia muito mais um sofrimento emocional do que físico. O macabro perigo e a impotência agiam sorrateiramente quando me dirigi para a Dr. Karina e a interpelei sobre sua postura em relação ao meu pequenino.

A total aniquilação de uma mãe que implora uma solução. Perambula entre a sala de internação e a sala de consulta. Mas que no seu intimo só deseja levar seu pequenino para casa em segurança... Aquela médica pequenina com um olhar firme, no entanto se direciona com o estetoscópio na mão. Avalia o pequenino e diz. {Ele precisa ficar aqui para ficar bem. Não adianta leva-lo para casa e não medicar corretamente. Quando for a hora ele terá alta. Eu vou acompanhar a evolução do quadro}.

O progresso das enfermidades nem sempre e gradual. As crises são complexas, mas o temor da perda é sempre o mesmo. Dois dias de internação e aos poucos o pequenino bravamente reagia. Então volta aquela médica pequenina de olhar e voz firme e diz agora tem que seguir o tratamento certinho para que ele não tenha mais essas crises. Eu queria argumentar, mas o cansaço era maior do que o desejo de explicar sobre os dias na UTI e o tratamento recebido pelos demais médicos. Havia gratidão na despedida e um cuidado que nós desconhecíamos.

Havia uma segurança na voz dela. O atendimento naquele dia fez nascer uma admiração. Seguida de respeito e carinho pelas sucessivas e incontáveis oportunidades que atendeu o Mugi-mugi forma carinhosa como ela chama o Miguel. Eu a observei muitas vezes. Por varias oportunidades eu queria escrever um texto de agradecimento, mas havia algo que eu ainda não cabia naquela forca e doçura conjugadas. Gosto de eternizar as pessoas, mas gosto de escolher as palavras justas e sinceras.

Incontáveis oportunidades eu a vi redobrar o plantão. Deixar de comer para encaixar mais um pequenino na agenda. Notei suas dores de cabeça para conseguir um leito para um bebe de risco. Tratava os pequenos com carinho e cuido e aos pais com a necessária força para exercer o seu trabalho. No correr dos anos eu a vejo cuidar dos filhos alheios como se fossem seus. O exercício da medicina exige sacrifícios, mas a conduta daquela pequenina sempre me causou um olhar mais apurado sobre ser profissional ou cumprir tarefas...

A miséria das nossas vidas nem sempre ganha um palco. Isso é certo. Como profissional e mãe eu admirei em muito cada conduta dessa mulher brava e ao mesmo tempo encantadora. O ciclo das minhas escritas sobre essa mulher que eu admiro tem haver com um anjo chamado Francisco. Que pelas mãos do destino partiu três dias depois de sua chegada. Um lindo filho que subiu pelas mãos divinas sem cumprir o ciclo da maternidade com sua mãe. Minhas competências religiosas são muito frágeis para justificar essa passagem...

Resta para essa humilde artífice da escrita louvar uma mãe que perdeu o seu amado filho sem poder empreender seus conhecimentos médicos e sem ter sucesso nas suas preces de mãe... Superou a dor criando seus dois pequenos príncipes com um afeto e empenho dignos de nota... Segue pelos corredores dos hospitais adotando e atendendo Miguel, Maria, Joana e todos os pequeninos chorosos que transitam nos seus plantões. O olhar mais apurado sobre essa pessoa reanima a fé nas pessoas e também em nos mesmos...

Minhas perenes linhas transitam entre o passado e o futuro. Agradecer por ter salvo a vida do meu filho não devolve o seu. Ocasionalmente o meu intelecto poético sucumbe às preces pela sua paz. Na magia indelével de que o amor que vigora em seu coração seja ainda distribuído e multiplicado. Eu só escrevo poemas e desconheço as boas preces. Entrementes sou uma alma que convulsiona e se aquieta diante de historias e contextos. Na sua historia tão aguda e ao mesmo tempo tão singela escritora reencontra um pouco de fé...

 

Dedico esse texto para Dra. Karina Kremer nesse dia de agudas lembranças 20.01.2015. Por Francisco.

 

Taís Martins

Escritora, MsC, e professora.

Contatos: 

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