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Você não gosta de cachorro?
15 de agosto de 2013

 

           

Há cerca de duas semanas atrás um conhecido me questionou se eu não gostava de cachorros. Isto porque ele se esfregou todo em um cãozinho de raça que passava por ali com seu dono. Eu disse que gostava e não prolonguei a conversa após ele me mostrar outro cão de raça e me dizer que adoraria comprar um pra ele. Eu respondi que jamais compraria um cachorro com tantos abandonados por aí. Pra não levar nenhuma discussão adiante interrompi a conversa neste ponto.

Apesar de ter lançado apenas dois livros, tenho outros trabalhos que ainda não publiquei e outros que ainda não estão terminados. Um deles é um livro que se chama “O cão que comia ratos”, que trata justamente do abandono de cães e especialmente na cidade de Curitiba.

Lembro que antes de vir morar na cidade, há dois anos, eu tinha a imagem de que a mesma era quase que perfeita, uma vez que Curitiba é sempre citada como a melhor capital do país para se viver e sempre mencionada como exemplo em vários quesitos: transporte, limpeza, organização e tantos outros.

Chegando aqui me deparei com alguns problemas que mostravam claramente que a capital, apesar de linda, não era tão perfeita assim. O que mais me tocou na época foi o número de cães abandonados nas ruas. No início aquilo me chocou tanto, doloridamente, a ponto de eu andar com um pacote enorme de ração para cães no porta-malas do meu carro. Quando o estado do cachorro na rua era crítico eu parava o carro para alimentá-lo.

Apesar de só ter gatos e ser apaixonada por eles, durante um bom tempo eu cuidei de alguns cachorros nas ruas de Curitiba. Vivi situações que se tornaram tão pessoais pra mim que comecei a escrever o livro. Envolvi-me com as histórias de sofrimento de alguns animais e conheci pessoas maravilhosas que dedicam suas vidas em prol dos bichinhos abandonados. Também descobri dezenas de organizações que trabalham tentando minimizar o problema. São tantas ONGs que este foi o motivo por ainda não ter finalizado o livro: a necessidade de conhecê-las pessoalmente, tendo dados mais concretos para a conclusão de algo tão importante.

Se há organizações e pessoas trabalhando para diminuir o sofrimento desses animais nas ruas, também comecei a perceber, irritadamente, a quantidade enorme de feiras de venda de filhotes que se tem constantemente em vários pet-shops da cidade, além de anúncios nos jornais, internet e venda livre em qualquer local público, como o parque em que estava quando fui indagada por gostar ou não de cachorros.

A pergunta ainda ecoa em meus ouvidos a cada vez que vejo um cão cheirando desesperadamente o chão de uma rua a procura de comida, ou o corpo de um cachorro atropelado quando dirijo rumo ao meu trabalho todos os dias, ou ainda quando vejo a notícia de animais que morreram congelados numa madrugada fria de inverno. Os sofrimentos que estes animais passam até suas fatídicas mortes são tantos que não poderia enumerá-los aqui.

E hoje eu me questiono o que realmente significa gostar de cachorro. Não deveria ser algo mais do que o ímpeto que algumas pessoas têm de passar a mão nos cachorros, beijar seus focinhos e enfeitá-los todos para um desfile a céu aberto mostrando suas raças e roupinhas? Sempre achei que havia dois tipos de pessoas em relação ao amor pelos animais: aquelas que gostam de seus animais e se mostram amáveis e dedicadas apenas a seus bichinhos e aquelas que gostam de todo e qualquer animal, não importando a raça ou a aparência do mesmo.

Infelizmente, tenho a impressão de que o amor de muitas pessoas pelos animais está diretamente conectado ao ego e à própria vaidade, uma vez que elas compram cães de raça, gastando uma boa quantia em dinheiro para tal, sem ao menos olharem para tantos outros abandonados nas ruas e nos inúmeros abrigos lotados que existem em todo o país à espera de uma adoção.

Confesso que me revolto toda vez que vejo a aquisição de um novo bichinho de estimação quando não se dá por adoção. Ou ainda quando alguém presenteia outra com um animal de raça. E ainda que alguém me indague sobre a posição do vendedor, afirmo que já estive deste lado. Na Alemanha minha gata de pelo curto britânico teve filhotes uma única vez, os quais vendi por 300 euros cada um facilmente, ficando com uma lista de espera por novos filhotes. Percebi quão fácil era ganhar dinheiro a custa dos animais que tanto amava. E apesar de a Alemanha ser um país onde o abandono de animais é quase zero, eu decidi não me orientar pela ambição do “negócio”. Preferi pensar na palavra “quase” próxima ao zero e não ser responsável por nenhuma fração dos possíveis animais abandonados no país, naquele momento ou em qualquer outro em que viesse a acontecer. Castrei minha gata.

A verdade é que muito é preciso mudar e acontecer para que os animais possam ser amados com verdadeira consciência e responsabilidade. Porque o gostar não tem a ver só com o carinho que se dá para um animal num determinado momento, mas a responsabilidade por toda consequência que a aquisição e convívio com um animal possa vir a ter: atenção, castração, vacinação, limpeza de locais públicos pelo animal utilizados e tantos outros.

Enquanto a política em relação aos animais no Brasil praticamente não existe, eu espero de alguma forma pelo bom senso das pessoas que dizem gostar de cachorros ao que deveria ser o gostar de verdade, que vai muito além de se esfregar num ou mais cachorros uma vez ou outra. O gostar de cachorro de verdade deveria ser o se colocar no lugar dele e no de tantos outros que vivem à míngua, no desespero, na fome, no frio, na dor e na tristeza de ter sido abandonado. Se o ser humano assim conseguir se enxergar e sentir, jamais fará novamente o que tem feito com tantos animais.

Se gostar de cachorro for apenas ter um animal de raça para se exibir no fim de semana no parque, então eu afirmo: não, eu não gosto de cachorro!

 

CAROLINA VILA NOVA

ESCRITORA E ROTEIRISTA, de Curitiba.

Contato: focuslife@playtac.com

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